Meu preferido é de carne moída, com tomate e batatinha picados bem miudinhos. Uma pitada de pimenta do reino, sem queijo e azeitona. Menos frito, casquinha clara, sem aquele gostinho amargo por ter ficado um tiquinho a mais no óleo.
Tanto faz se o acompanhamento for Coca, Fanta ou Guaraná Mineiro. Pastel é uma gostosura que me acompanha desde criança, década de oitenta, quando seguia meu pai até o armazém do Sílvio. Lá ele tomava sua pinga. Lá a gente comprava mantimentos. Lá eu comia pastel. Comia também na merenda da escola. Um dia pastel. No outro, bolo. Minha mãe foi zelosa.
Um dia, depois de ganhar de meu pai o pastel, queimei o pé num toco de cigarro que estava na calçada do armazém. Choro molhado. Garganta apertada. E isso atrapalha menino comer pastel? De jeito nenhum!
Meu pai aposentou cedo, antes dos quarenta anos. Tinha o coração adoecido e um cômodo comercial esperando ser alugado. Então, para complementar a renda, lá abrimos um boteco. Até minha mãe aprender a fazer salgados, revendemos aqueles feitos pela Dona Maria, nossa vizinha e salgadeira.
Minha mãe ficou orgulhosa por tê-lo comprado, juntando um dinheirinho aqui e outro ali: um cilindro novo, parafusado na mesa de madeira que veio da roça, na mudança para a cidade grande.
Uma carretilha cortava e dava forma. O de queijo meia cura, quadrado. Meia lua o de carne moída refogada com cebola, alho, pimenta verde e do reino. A batatinha, cozida separadamente, colocada por último finalizando o recheio a ser embalado na massa de farinha de trigo, sal, óleo e uma colherinha de pinga. Essa dava o pipocado do pastel. Alguns anos depois, minha mãe incrementou a receita ao pôr um dedinho de pó Royal. Quem gosta de cozinhar vive inventando moda, não é mesmo?!
Lenço na cabeça, avental, unhas bem cortadas. Lembro-me de suas mãos sovando a massa, salpicando farinha na mesa e abrindo-a no cilindro num vai e vem repetido muitas vezes. Em cada passada, uma giradinha nos parafusos para chegar na espessura ideal, fina. Um e outro encharcavam por um furo inesperado na massa fina.
Óleo quente na rabinha que só acomodava dois pasteis por vez – ela ficava mais apertadinha enquanto os danadinhos iam crescendo em bolhas saborosas. Trocamos a rabinha por um tacho. Agora, o trabalho rendia. Fritávamos muitos! Uma felicidade para quem queria sair dali, rapidinho, e se empanturrar comendo três numa sentada só. Era eu.
O recheio mais gostoso, marcado na memória afetiva desde a infância, se faz com poucos ingredientes, mesmo que sejam apenas o tempero de casa, tomates e batatas picadinhas a serem misturados na carne moída. Não há toco de cigarro aceso ou óleo quente capazes de queimar essa lembrança ou deixa-la com gosto amargo.
Há espaços vazios que a gente passa uma vida esperando alguém ocupá-los quando deveríamos, corajosamente, enchê-los até a tampa com nossa presença. Não é egoísmo. É porque eles não foram feitos para inquilinos.
O dinheiro compra o cilindro, a carretilha, o tacho e todos os ingredientes para fazermos os pasteis. E de que adianta tudo isso sem atitude de aprender a fazê-los? A gente cresce e pipoca quando mudamos a receita pondo uma pitada de pó Royal e sovando a massa.
Os dias – esses parafusos – vão apertando o cilindro do tempo e, nesse vai e vem, refinam a gente. E isso não é um jeito diferente de conceituar maturidade? É assim que crescemos em bolhas saborosas.
Troquei minha rabinha por um tacho. Vou dar mais espaço às pessoas danadinhas crescerem na minha vida. Assim como fiz com os pastéis, estou deixando de lado as encharcadas. Não é egoísmo. Óleo em excesso faz mal à saúde.
CRÉDITO DA IMAGEM
Imagem de LOREN GU EM UNSPLASH por Pixrl, URL: https://unsplash.com/@lorengu