VIVENDO E APRENDENDO

Panela de ferro

Pusemos tudo num caminhão e saímos de lá. Não sei o que ficou para trás, mas ela veio junto: uma panela de ferro. Preta. Sem cabo em madeira. Sem tampa. E, por várias vezes, foi nossa forma de bolo.

Com ela, vieram a bolinha – nossa cachorra – uma meia dúzia de móveis em madeira, colchões de palha, nenhum sofá, nenhuma geladeira, tampouco uma televisão. À essa mudança se juntaram cinco corações. Três despretensiosos  – o meu e de minhas duas irmãs – e outros dois muito apertados pelo, talvez, medo da cidade grande. O da minha mãe, por certo mais confiante e seguro, pois estaria lado a lado ao de minha avó e de alguns irmãos os quais já moravam em Uberlândia. O de meu pai, nem tanto. Homem da roça, longe de sua família e, agora, daquilo que sempre foi sua lida.

Bolo de fubá, assado na panela de ferro, em banho maria, num fogão a lenha improvisado com dois tijolos de barro e gravetos catados em nosso quintal. Um tabuleiro cheio de brasa, recortado a partir de uma lata vazia de tinta Coral, servia de tampa e garantia o calor para corar e criar uma casquinha morena, crocante, um cadinho amarga por ter passado do ponto. Cheiro e sabor que enchiam a casa, fartavam a vida. O café, esquentado, transbordava o aconchego e amor daquelas tardes. Até hoje gosto de uma quitandinha após o almoço.

Um dia a gente muda. Em outro, viaja. Fui daqueles de não viajar sem fazer uma planilha em Excel da combinação das roupas levadas na mala. No meu próximo dia, espero ter poucas coisas, o suficiente para dispensar um caminhão. Não vou gastar com frete. Vou abrir bem o coração a fim de caber tudo dentro dele.

Quero manter a despretensão de uma criança que não sabe ao certo onde será a próxima parada. Gastei mais tempo planejando do que curtindo a viagem. Na rodovia, meus resmungos pela poeira e buracos já sobressaíram a alegria do entardecer que batia na janela do carro, tornaram enjoada a baladinha gostosa no rádio, esquentaram o friozinho do ar condicionado e atrapalharam o cochilo da companhia ao lado.

O cheiro, o sabor, o aconchego e o amor das tardes – e até de noites e dias inteiros – que fartam a nossa vida, só fazem sentido se compartilhados entre pessoas em que o respeito, o carinho e a dedicação queimam como brasa. Fora isso, o gosto será de queimado, passado do ponto.

Quem quer fazer, faz. Gente assim não justifica, não deixa de comer bolo de fubá com café por não ter o tabuleiro, a forma e fogão a gás. É gente que pula fora. Afinal, sabe que o banho maria, inicialmente inofensivo e relaxante, assa aos poucos.

Uma panela de ferro, preta, sem tampa, sem cabo em madeira é tão valiosa e singular quanto uma panela branca, com tampa e cabo. Se isso vale para panelas, seria óbvio reforçar o quanto vale para cachorro e gente? Portanto, não merecem ser deixados para trás, de modo que sejam catados como gravetos secos a serem jogados ao fogo. São 22h49. Não tenho bolo de fubá. Café tiraria meu sono. Tomarei água de coco.

CRÉDITO DA IMAGEM

Imagem de TIKKHO MACIEL EM UNSPLASH por Pixrl, URL: https://unsplash.com/@tikkho

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