Browsing Tag

vida

VIVENDO E APRENDENDO

VAI DEVAGAR

Pois é, eu parei. Não segui esse conselho da minha mãe, dado amorosamente quando eu estava ansioso e aflito. Aflição da juventude apressada.

Parei de atualizar o meu blog e ir às aulas de teatro. Sequer deu tempo de participar com short da segunda aula – como eu tinha aprendido ao vestir calça jeans na primeira.

Parei com o curso de teatro também – aqui é aquele momento em que a gente justifica uma atitude usando as próprias palavras e aprendizados. Neste caso, no post Desconstruir, quando afirmei: a evolução é diária, sempre!

Levei mesmo a sério o meu próprio aprendizado: a gente pode evoluir sem pressa, sem arrancar os cabelos – já que não temos pena e bico como as águias que, segundo os contos disponíveis na internet, se autoflagelam para voltarem renovadas. Isso está no mesmo post, Desconstruir. De forma alguma a repetição é intencional, forçando a leitura do dito cujo, publicado em agosto de 2019. Porém, eu recomendo! Pronto, o “jabá” está feito!

Sabe quando o coração deseja, a mente grita, o corpo pede e a alma atende? Sou obediente. Parei mais um tiquim de coisas.

Não fui devagar. Puxei o freio de mão numa descida, com direito a cantada de pneu, fumaça,  cheiro de borracha queimada, muita poeira e pedregulho. Um super cavalo de pau! Graças a Deus, não capotei! Seria perda total; e a vida é muito valiosa pra ser parada abruptamente.

A vida precisa ser vivida como minha mãe sabiamente disse: devagar, com tempo para chupar cada ossinho da costela ou pescoço da galinha! E até de vagando, por que não?

Querida mãe, aprendi que em muitos momentos precisamos de um freio ABS para aquelas ocasiões em que reduzir a marcha é insuficiente pra chupar esses ossinhos.

Parei de ir à academia, de regrar minhas comidas preferidas – aquelas bem engordativas. Parei de ficar “quase sem barriga” e, adivinha? A barriga não parou de crescer! Essa, por sinal, nunca para! É uma senhora sem limites! Adora chamar a atenção só pra ela! Egóica e gulosa.

Parei uma relação de dez anos. Por amor demais, não fui devagar. Parei. Parar é quando a gente sabe cuidar da gente, sobretudo, do outro. Parar é dar passagem, permitir a ida, deixar seguir viagem.  

Saber quando e por qual motivo parar é agir com generosidade, prudência, desapego, responsabilidade. Entender que a nossa velocidade, mesmo baixa, pode atropelar, ferir.  

Parar para respirar, sem ajuda de respiradores. A vida – se é que posso responsabilizá-la por isso – acabou nos ensinando a duras penas e perdas a irmos devagar, quase parando. Parando.

A gente usa clichês como, por exemplo, “a vida, o destino, a sorte” e tantos outros quando nos falta conhecimento para explicar, além daquilo explicado pela ciência, e temos crenças fincadas no oculto, na espiritualidade, no místico, no por vir, no sagrado.

Muitas vidas foram sufocadamente paradas. “Morreram no seco”, como ouvi outro dia em um vídeo no YouTube. Vidas que não queriam, penso, serem paradas por esse cavalo de pau chamado Covid-19.

Vidas que queriam mais tempo pra chupar todos os ossinhos de frango e até os caroços de azeitonas nas macarronadas aos domingos! Chupar cada gotinha de água gelada num dia quente, até escutarem aquele som que sai do canudinho quando não há mais nada a ser sugado!

Vai devagar! Muitas vidas se foram vagarosamente. Menos sofrido e entristecedor se tivessem ido apressadamente. Teriam ficado bem menos na sequidão de uma vida ser ar.

Volto a redigir, devagar, refletindo acerca desses dois últimos anos de Pandemia. Dias de parada obrigatória, sinal vermelho quando temos pressa de ir devagar mesmo.

Confesso que para mim essa parada – jamais desejada por seu impacto devastador – me descansou o pé direito afundado no freio.

Vai devagar! Soltei o freio de mão que eu vinha segurando há um tempo.

Soltei a embreagem. Vivi o ritmo daqueles dias – e desses que ainda teimam em estar presentes – devagar e de vagando: sem rumo, mascarado, “sem lenço e sem documento, nada no bolso ou nas mãos…” – como cantou Caetano Veloso.

Eu segui e sigo vivendo. Tomei Coca-Cola e me consolei ouvindo inúmeras canções, assistindo a séries e novelas. Continuo com essa prescrição irremediável; acrescida com pão de queijo, bolo e café. Agora, sem ansiolítico.

Há dez palavras quando neste texto. Porque devemos saber quando ir devagar ou parar.

Vai devagar. Estou indo e até parando. Embora, com uma pressa só!

CRÉDITO DA IMAGEM

Imagem de Freepik: Fundo foto criado por jcomp – br.freepik.com

LIÇÃO DO DIA

A VIDA CARECE DE ALTERNÂNCIA

Morro de medo de viver uma vida “enlatada”, daquelas que já vem com guia, tutorial, um curso a distância e opção para baixar um e-book sobre “Como ter uma vida interessante”.

Morro de preguiça de quem receita essa bula, uma lista sem fim de clichês: pular de paraquedas, encarar a maior montanha russa do mundo, aprender com as lições do Vale do Silício, ir à Disney, conhecer a Europa, abrir uma startup, plantar uma árvore, ter um cachorro, escrever um livro, usar a marca tal, malhar, fazer yoga, não comer gordura, emagrecer, reduzir a circunferência abdominal, usar colete e cinta para alcançar as curvas desejadas, exterminar o açúcar e a farinha branca, manter pilhas de ovos no armário, tomar uma taça de vinho a noite, jamais dar um gole num refrigerante, encher a cara de linhaça, granola e chia pro intestino funcionar etc etc etc

Repeti etc três vezes porque os ingredientes para uma vida interessante, via de regra, são intermináveis. Não há carrinho de supermercado que caiba todos eles. E, por falar nisso, a vida precisa ser interessante pra quem? Pergunta retórica, resposta óbvia.

Parafraseando o Pondé quando ele discorda de algo: “acho tudo isso muito brega”. Só de seguir essa lista, a vida fica desinteressante demais pra mim. Para outras pessoas, é outra história. Afinal, cada um é único e prepara a vida do jeito que quiser. Cada um sabe o que é interessante ou não. Cada um sabe o que colocar no carrinho ou deixar fora dele. E ponto.

Para mim, vida interessante é aquela em que podemos mudar a rota, depois do trajeto traçado – não seguindo à risca a “modinha”, os cardápios prontos.

Um pouco de mudança, porque mudar demais também é outro chichê – especialmente neste mundo onde as palavras de ordem são disrupção e agilidade. Minha mãe já dizia: “pedra que muito rola, não cria lodo”.

Ontem mesmo vivi isso. O caminho estava pronto: da cidade da minha sogra e sogro para Uberlândia. Durante a viagem, mudamos de planos e passamos em Romaria para visitar nossa tia e primos. Nem usamos o Maps, GPS ou Waze. O melhor aplicativo pra ver quem a gente gosta, é o coração. E como foi bom! Saboreamos uma “carninha” assada das boas enquanto conversámos e colocávamos as notícias em dia.

A vida interessante – enlatada – eu tenho deixado na prateleira do supermercado. Viver pede esse improviso, essa alternância. Nosso dia a dia carece de uma quebra no mapa desenhado, no planejamento elaborado, nos objetivos definidos. A vida pede esse acrescentar de ingredientes a nosso gosto, de poder mudar, quebrar as regras e fazer um “mexidão” que faz feliz nosso paladar!

CRÉDITO DA IMAGEM

Imagem de ANISUR RAHMAN EM UNSPLASH POR PIXRL, URL:
https://unsplash.com/@arjabedbd



VIVENDO E APRENDENDO

Prefiro o campinho a uma vida asfaltada

Das coisas que eu mais gostava de fazer com minha bicicleta era pedalar no campinho – um quarteirão inteiro sem casas onde as partidas de futebol aconteciam aos domingos. Entre segunda e sexta era meu universo particular – mesmo que outros meninos estivessem por lá.

Eu sempre fui muito imaginativo, gostava de desenhar e criar histórias num pedaço de “papel de pão”, para os personagens e super-herois que eu via na TV. Nas padarias, mercearias e armazéns, usavam esse papel para embalar o pão. De cor escura, meio cinza esverdeado; porém macio e aconchegante para a caneta e os traços que eu fazia e brincava.

Minhas histórias sempre tinham uma máquina do tempo. E nas pedaladas no campinho a minha bicicleta se transformava nessa máquina. Era um “terrenão”, com mato, terra, areia, subidas e descidas. O local perfeito para ir até as crateras da Lua, visitar Marte ou apenas viajar no tempo, sem parar num local e data específicos.

De olhos fechados, virando o guidão para a direita ou esquerda, ia eu pelo túnel do tempo imaginado na minha cabeça de criança. Sentia os balanços e baculejos das rodas nos montes de terra. Também de vez em quando vinham rajadas de vento e poeira trazidas pelos redemoinhos que levantavam do chão as folhas das árvores e papel. Para mim, eram rajadas do efeito por estar no túnel do tempo. Não tinha nada melhor.

Naquela época eu estudava à tarde, das 13h às 17h. Então, boa parte das manhãs eu dedicava a pedalar para o futuro até ouvir o grito da minha mãe me trazendo de volta à Terra, justamente no momento do banho para ir à escola onde eu sempre chegava atrasado.

Uma vez prometi à Dona Laíde, supervisora da escola e minha vizinha, não chegar atrasado nunca mais. Não me lembro agora se cumpri essa promessa.

A máquina do tempo não me levava até a escola. Quem me conduzia pela mão era minha irmã, a Fátima. À tarde, eu voltava segurando a mão firme e áspera da minha mãe. Áspera porque elas, as mãos, trabalhavam arduamente na lavagem de roupas. Jeito de conseguir alguns “trocados” para melhorar nossa casa e ajudar o meu pai a “acudir” nas despesas.

Na terceira série, continuei a estudar no período da tarde, mas entre 15h e 19h. Isso me dava mais tempo para fazer viagens mais longas e emocionantes pelo campinho e fora dele – quando deveria comprar as “misturas” do almoço, verduras cultivadas por um vizinho, no quintal dele, tudo orgânico. Quiabo e couve se revezavam durante os sete dias da semana. E, em muitos dias, só a couve se misturava ao arroz.

Logo após o almoço, rumávamos à compra de mexericas – eu e a Fátima, minha irmã do meio. Grandes, doces, caudalosas. Uma gostosura só! Andar de bicicleta no campinho e chupar mexericas. Ir à escola não era tão saboroso assim.

Não nos damos conta que trocamos o campinho, aquele lugar tão gostoso onde livremente andávamos de bicicleta de segunda a sexta, por salas fechadas, pequenas, paredes cinzas, que achatam e sufocam a emoção da torcida das partidas de futebol aos domingos. A gente cresce e entulha nosso universo particular, nosso campinho – nossa vida – com atividades e pessoas empoeiradas, opacas, cheias de folhas secas.

É sábio saber que temos capacidade para transformar um pedaço de papel cinza com histórias mais felizes do que aquelas vividas na sala apertada que um dia foi nosso campinho. Tem gente que gasta o tempo fazendo promessas ou justificando o atraso. Muitas, usam o tempo surrando as mãos para ganhar seus trocados, erguer a vida. Essas, seguram firmemente a caneta nas mãos, traçam, desenham e criam o enredo, sobem na bicicleta, guiam a máquina do tempo, põem força nas pernas e pedalam para viver o final feliz, ocupando o lugar de herói. Elas têm sede de saborear a doçura das mexericas caudalosas, sem esquecer a riqueza da couve e do quiabo do dia a dia.

Eu ainda sou dessas pessoas que prefiro o campinho com sua vastidão. A lisura de uma vida asfaltada não nos permite o toque do mato, o chegar das folhas secas levantadas do chão pelo vento, nem de se alegrar com os balanços e baculejos das rodas da bicicleta nos montes de terra e areia.

CRÉDITO DA IMAGEM

Imagem de ALEXANDRU TUDORACHE EM UNSPLASH por Pixrl, URL: https://unsplash.com/@andurache