VIVENDO E APRENDENDO

AMONTOADO

Tarcísio, um vizinho, nos socorreu com uma prateleira.

Um balcão carunchado, baleiro com tampas amassadas, freezer de segunda mão, umas poucas dúzias de cachaça e refrigerantes. Um punhado de vassouras em capim, alguns rolos de papel higiênico, latinhas de extrato de tomate, sardinha e salsicha; e outras coisas as quais agora não me lembro – todos emprestados pelo tio Antônio, irmão da minha mãe e dono de um armazém num bairro próximo ao nosso.

Esse amontoado de trem – como falamos em Minas – compunha o nosso empreendimento, além da boa vontade e, talvez, uma mistura de medo e alegria dos meus pais com o novo ganha-pão.

Aos sete anos comecei minha carreira de caixeiro e como dorminhoco num banquinho de madeira. Fui acordado muitas vezes pela braveza da minha mãe ou pelo entregador de refrigerantes. Para criança, não há hora e lugar de dormir – ainda mais se o sono for embalado por desenho na tv.

No início, uma vendinha. Depois, um boteco. Lá, aprendi a subtrair e “dar o troco”. Me senti tão adulto.

Limpei chão, um piso de cimento queimado, colorido de amarelo, encerado e lustrado. Um brinco! Lavei banheiro e muitos copos, varri calçada e tirei muita poeira vinda das ruas sem asfalto e do campinho: um quarteirão inteiro de vazio onde hoje é a praça do bairro. Na época, o campo de futebol e lugar onde eu andava de bicicleta, minha máquina do tempo, brincando de viajar para o futuro e passado.

Enquanto limpava o bar, ouvia músicas no rádio do meu pai e, nas enxaguadas do pano, parava as mãos debaixo da torneira e bebia água fresquinha. Uma fartura só!

O amarelo tímido das manhãs, corriqueiramente entrando pela janela do quarto, amanhece em nós a oportunidade de recomeçar com o nosso punhado de coisas ou que, gentilmente, nos foi emprestado.

Nesse mundo, há quem acredita na gente e tem boa vontade a ajudar. Mas, convenhamos, a mãozada de água mais saborosa é àquela bebida após o dever cumprido, das responsabilidades entregues, do trabalho executado. E tem música melhor a embalar nosso sono?

Impossível sentir a alegria sem passar pelo medo que, na verdade, é a prudência pedindo sensatez e coragem de ser adulto – ter maturidade e não só idade. Quando aprendemos o sentido de dar o troco: devolver o dinheiro em vez de pagar na mesma moeda.

Pela falta de coragem e sensatez, corremos o risco de nos acomodarmos com a dureza do banquinho e vivermos uma vida em preto e branco, sem produzir nada com nosso amontoado de trem, pois acreditamos ter pouco para agir. Decidimos dormir um pouco mais ou esperar por socorro e, então, vivemos no passado ou futuro, sem viver o presente. Só nos damos conta que o agora passou porque levamos um susto ao ver nossas coisas carunchadas e amassadas, ao sermos acordados pela braveza do tempo. Só nos resta pegar a vassoura em capim e varrer o que deixamos estragar.

CRÉDITO DA IMAGEM

Imagem de KARIM MANJRA EM UNSPLASH por Pixrl, URL: https://unsplash.com/@karim_manjra

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